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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

GRILOS EM NOVEMBRO

À noite, aqui no escritório, oiço-os de duas formas: parece uma sinfonia ao longe, mais z-z-z-z do que gri-gri-gri, e ao perto batem, batem, não tão levemente assim, no vidro da janela ao tentarem chegar à luz.

Cá dentro, de vez em quando, um ou outro intruso. É certa uma batalha com o chinelo.

É assim durante umas semanas todos os meses de Novembro na Guiné-Bissau. Não sei porque aparecem nem como desaparecem. Mas é uma imensidão de grilos. Estão por todo o lado, como uma praga. Há-os nos restaurantes, em espaços ao ar livre são incontáveis, por todo o lado.

De dia mal se vêem mas à noite é impossível não nos cruzarmos com dezenas ou centenas na rua, e às vezes alguns em casa. Saltam muito, voam limitadamente e não têm pudor em agarrarem-se às nossas roupas ou cabelos. Não é assim tão raro termos que sacudir um de vez em quando.

De manhã a varanda e a escada parecem campos de batalha do dia seguinte, grilos mortos, pernas de grilos, e formigas, que nem abutres, de volta dos despojos da noite.

Felizmente o mês está a acabar e com ele os grilos. Ao longo dos últimos dias ouvem-se e vêm-se cada vez menos, assim como de ano para ano. Com esta foto apetece dizer, como Boris Vian, Morte aos Feios.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PRIMEIRO DIA DE ESCOLA

Agora a escola da Maira já começou há mais de um mês. No dia 12 de Outubro, com uma semana de atraso, pois queriam organizar uma cerimónia para apresentar e agradecer os livros enviados pelo actual Presidente de Portugal para a escola com o seu nome, a qual mesmo assim não pôde ter lugar antes do início das aulas.

Neste momento tudo parece ter entrado numa normalidade que me permitiu algum sossego sobre as preocupações iniciais. A Maira está adaptada à escola e mais do que isso gosta e parece apreciar cada momento.

A preparação para o começo das aulas foi sentida com grande entusiasmo de ambos os lados.

A mochila com os materiais já estava pronta há semanas, e só ficava aqui por casa até mesmo à véspera para que não se dissipasse tudo antes de passar pelo primeiro dia de aulas. Essa era uma preocupação legítima: ao fim de um mês a Maira vai pelo menos no quarto lápis a carvão, no terceiro afia, as canetas de pintar já não são localizáveis e os lápis de colorir duram porque nunca daqui saíram, e assim ainda é possível pintar pelo menos aqui por casa.

Mas havia mais preparativos. Por aqui preparou-se uma caixa só para as coisas da Maira. A Maira divide a cama com mais duas meninas, uma irmã e uma prima, e o resto da pequenina casa com várias pessoas. E tudo é um pouco de todos. Mas agora que a Maira ia para uma escola onde todos os dias se deveria apresentar muito arranjadinha, uma “gaveta” só sua era essencial. Houve espaço para um vestido azul que estreou no primeiro dia de escola e calças de ganga que passariam a fazer parte do uniforme escolar quando estivessem prontas as t-shirts da escola, entre outras coisas.

No domingo, véspera do primeiro dia de aulas, quando cheguei ao pé da casa da Maira por ali também decorriam preparativos importantes. A Alzira, irmã mais velha, arranjava-lhe o cabelo numa operação aqui conhecida por tissi cabelo.
Se algum dia achei que ia ser uma mãe exemplar, por a vontade de o ser ser tão grande, o primeiro dia de aulas desta menina, da qual me sinto um pouco responsável, meio madrinha, meio tutora, veio provar o contrário.

Fui levá-la à escola no primeiro dia mas lá chegadas constatei que as outras crianças tinham lancheira. Ops! O lanche para o intervalo. Compensa-se com umas moedas entregues para comprar bolinhos e sumos que vendem à porta da escola.

Como se não bastasse, no fim das aulas cheguei atrasada e ela já tinha ido para casa. Como há que ver sempre tudo pelo lado positivo, para além de ter sido um treino utilíssimo, e que perante experiência semelhante é pouco provável que falhe pelo menos nos mesmos aspectos; sem este último atraso não teria assistido à seguinte imagem: fui direita a casa da Maira, a menos de 200 metros da escola, e cá fora estava a Maira em cuecas (porque tinha tirado e guardado o vestido para não o sujar) sentada num banco e com o caderno noutro banco à sua frente, a fazer os TPC. Estavam afastadas quaisquer dúvidas sobre o seu interesse ou entusiasmo pela escola.

A Professora Etelvina passa-lhes trabalhos todos os dias, os primeiros dias eram uns exercícios (que não me lembro o nome) que serviam para treinarem o movimento da mão e do pulso, o pegar na caneta ou no lápis, faziam “ondas” e “e”s ou “u”s todos pegados, até que passaram a fazer letras, números, e agora sílabas.

A Maira vem quase todas as tardes aqui a casa, mostra os cadernos, quase sempre traz os TPC feitos, faz outros trabalhos que lhe vou dando, escreve letras ou números, pinta ou vê desenhos animados quando o meu trabalho aperta. Um destes dias um vendedor ambulante impingiu-me um destes quadros em que se escreve, se puxa um peça que passa por baixo do “ecrã” e apaga, tem uns carimbos e assim passámos mais uma sessão de estudo a brincar.

Entretanto as t-shirts da escola ficaram prontas e fica assim a Maira com a foto do Presidente do meu país ao peito. Não sei porquê mas rio-me.
Fica mais bonita com as trancinhas que um dia destes a Alzira lhe fez, embora tenha faltado a duas tardes de estudo porque leva muito tempo para ficar assim.
Entretanto, não só pelos comentários ao post anterior, mas muitas pessoas têm manifestado vontade de ajudar a Maira. A Telma enviou-nos um “Manual das 28 palavras” que ainda não começámos a utilizar para dar tempo de conhecer mais umas letras. E a mãe da Ana e a Ana (quem me escreveu) enviaram há poucos dias de Portugal uns miminhos para a Maira: um livro da Rua Sésamo, com o Egas e o Becas (série que fez 40 anos há poucos dias que é de facto um sucesso neste método de aprender a brincar), mais uns livros de histórias e alguns de exercícios, que já estão a ser muito úteis.
A todos um obrigada meu e da Maira.
O nosso obrigada especial vai para a Lena que tem trabalhado para que tudo isto seja possível. Há umas semanas disse-me que esperava apenas que a ajuda pudesse fazer sorrir várias pessoas. E, como o trabalho não me permitia tempo para escrever aqui enviei-lhe estes sorrisos.
A ajuda tem sobretudo feito sorrir a Maira mas estas crianças, familiares e vizinhas da Maira ficam igualmente felizes. Cada vez que lá vou chamam-me branca di Maira, riem-se muito, correm à minha volta, ficam genuinamente felizes; e este momento emocionante foi apanhado num desses dias em que vieram até junto do carro despedir-se de mim.