Ontem, a Lili (que já esteve aqui mas agora está aí) perguntou pelos “nossos meninos”.
Esquecemo-nos por vezes que são adultos, que a nós nos parecem sempre crianças que ensinámos, com quem trabalhámos, que vimos crescer, mas que acima de tudo de quem queríamos estar mais perto mas de quem ficamos muito longe assim que passamos a fronteira.
É destes meninos e de uma quantidade de pessoas que nos tocaram no fundo do coração enquanto aqui estivemos que um dia sentimos mais saudades.
O Tovoy é um desses meninos.
Sim, é um pouco menino, tem 21 anos, e aparenta menos, mas aqui, mais do em outro lugar do Mundo é um homem. Nos últimos meses este menino foi forçado a ser o homem da casa. Em Setembro, há quase 6 meses, a dor da perda do pai foi acompanhada do assumir de todas as responsabilidades, a mãe e os quatro irmãos mais novos.
No mesmo mês concretizava o sonho de entrar na Faculdade de Direito de Bissau.
Foi aluno da Lili há uns anos, num curso de Língua Portuguesa no Centro Cultural Português. E foi colaborador das Oficinas de Língua Portuguesa, criadas e geridas pelos Professores do PASEG nos liceus de Bissau. Diz que tudo começou quando ajudou o Ricardo e a Lili a organizarem um concurso de peddy paper no Liceu Dr. Rui Barcelos da Cunha. Imagino que tenha sido tão bom ajudante que nunca mais o deixaram fugir, tendo passado a ajudar na Oficina da Salvador Allende.
No ano passado quando precisámos de colaboradores para a Faculdade de Direito de Bissau os nossos amigos não hesitaram em recomendá-lo.
Poucos meses depois de nos ajudar em inúmeras tarefas, em especial na organização de tudo o que era evento, confessa-nos que quer concorrer para a Faculdade de Direito de Bissau.
Durante algumas semanas, o Pedro dá-lhe explicações de Filosofia, o Osvaldo e a Lili de Português, e em Setembro, mesmo no meio de todo o sofrimento por que passava, alcança um dos melhores resultados de entre quase duas centenas de candidatos. A Faculdade ganha mais um aluno de qualidades excepcionais, eu perco um colaborador em algumas funções que já não pode exercer e que dizem respeito à gestão de dados e avaliação de alunos, mas por uma excelente razão.
Ainda faltam uns meses para os exames mas alguma avaliação intermédia indiciam que não me engano, nem os seus amigos do PASEG se enganaram, quando apostámos que seria um excelente aluno. Ele que agora não nos deixe ficar mal. Nem pode se quer seguir o seu sonho. Já percebeu há muito o percurso dos melhores alunos da Faculdade, e, como eles, quer lutar pela melhor média que lhe permita ir fazer o mestrado a Portugal depois de concluir a licenciatura. E depois voltar para ajudar o país. Embora não ponha de parte um dia sair do país para ir para outro ajudar, como, diz: “vocês fizeram”. (E com isto exclui qualquer tentativa de não me comover).
Recentemente ganhou uma bolsa de estudo que é oferecida pela Cooperação Portuguesa a dez alunos da Faculdade, e assim poderá financiar o curso, o que é muito importante, pois neste momento as dificuldades que enfrenta poderiam mesmo levá-lo a pensar em desistir do curso. Embora formalmente já seja beneficiário, na prática o dinheiro demora algum tempo a chegar, e será apenas uma ajuda para tudo o que tem que enfrentar, pois é o único lá de casa que leva algum dinheiro para a sobrevivência da mãe, dos quatro irmãos mais novos, e agora também do sobrinho, filho da irmã mais nova.
Esta situação para a qual a palavra difícil não chega, levou a que, em Janeiro, tivesse feito o seguinte: vendeu um livro, o Código Civil, que foi oferecido a todos os alunos que entraram este ano para a Faculdade. Quando o recebeu na cerimónia de abertura do ano lectivo, em Outubro, beijou-o e disse que era o primeiro livro que tinha.
Quando soube o que tinha feito, chamei-o. Perguntei-lhe como foi capaz de vender o livro. Porque não tinha vendido o telemóvel? Depois de lhe dizer em que cadeiras do curso lhe iria fazer falta aquele livro (quase todas em todos os anos), cheguei ao centro da questão, disse-lhe que poderia vender a camisa porque não trabalhava numa camisaria, poderia vender os sapatos porque não trabalhava numa sapataria mas não podia vender um livro igual àqueles que existem na Faculdade, quando a maior parte deles até está à sua guarda, não poderia admitir que sobre eles recaíssem quaisquer suspeitas (pois foi com um grau de insinuação e suspeição que infelizmente a história me foi contada). Disse ter compreendido a lição.
Dois dias mais tarde, durante os quais me questionava sobre se teria sido melhor a lição ou se lhe devia antes ter oferecido o meu Código Civil, o Tovoy vai e zás, aparece na Faculdade com um cachecol da selecção acabadinho de comprar e que lhe custou mais de um terço ou metade do valor que tinha recebido da venda do livro. Nova reprimenda.
Não posso esconder que estes episódios foram uma desilusão, mas o Tovoy balança entre o menino que nós vemos, e às vezes pensa como menino, e o homem que é e que tem que ser para a família. E seja como menino seja como homem continua a precisar destes amigos, e este sorriso – neste dia por ter ganho o 1º Prémio de um sorteio de rifas – é o maior agradecimento que pudemos ter.
Pediu-me para o ajudar a fazer uma pesquisa na net na 6ª feira e diz que te quer mandar um mail, Lili. Tentaremos o mais que podermos. Mesmo este post é publicado com um atraso de dois dias porque aqui a net é quando é possível não quando nós queremos, mas aprendemos a viver com isso, porque em muitas outras coisas na vida também é assim.
Esquecemo-nos por vezes que são adultos, que a nós nos parecem sempre crianças que ensinámos, com quem trabalhámos, que vimos crescer, mas que acima de tudo de quem queríamos estar mais perto mas de quem ficamos muito longe assim que passamos a fronteira.
É destes meninos e de uma quantidade de pessoas que nos tocaram no fundo do coração enquanto aqui estivemos que um dia sentimos mais saudades.
O Tovoy é um desses meninos.
Sim, é um pouco menino, tem 21 anos, e aparenta menos, mas aqui, mais do em outro lugar do Mundo é um homem. Nos últimos meses este menino foi forçado a ser o homem da casa. Em Setembro, há quase 6 meses, a dor da perda do pai foi acompanhada do assumir de todas as responsabilidades, a mãe e os quatro irmãos mais novos.
No mesmo mês concretizava o sonho de entrar na Faculdade de Direito de Bissau.
Foi aluno da Lili há uns anos, num curso de Língua Portuguesa no Centro Cultural Português. E foi colaborador das Oficinas de Língua Portuguesa, criadas e geridas pelos Professores do PASEG nos liceus de Bissau. Diz que tudo começou quando ajudou o Ricardo e a Lili a organizarem um concurso de peddy paper no Liceu Dr. Rui Barcelos da Cunha. Imagino que tenha sido tão bom ajudante que nunca mais o deixaram fugir, tendo passado a ajudar na Oficina da Salvador Allende.
No ano passado quando precisámos de colaboradores para a Faculdade de Direito de Bissau os nossos amigos não hesitaram em recomendá-lo.
Poucos meses depois de nos ajudar em inúmeras tarefas, em especial na organização de tudo o que era evento, confessa-nos que quer concorrer para a Faculdade de Direito de Bissau.
Durante algumas semanas, o Pedro dá-lhe explicações de Filosofia, o Osvaldo e a Lili de Português, e em Setembro, mesmo no meio de todo o sofrimento por que passava, alcança um dos melhores resultados de entre quase duas centenas de candidatos. A Faculdade ganha mais um aluno de qualidades excepcionais, eu perco um colaborador em algumas funções que já não pode exercer e que dizem respeito à gestão de dados e avaliação de alunos, mas por uma excelente razão.
Ainda faltam uns meses para os exames mas alguma avaliação intermédia indiciam que não me engano, nem os seus amigos do PASEG se enganaram, quando apostámos que seria um excelente aluno. Ele que agora não nos deixe ficar mal. Nem pode se quer seguir o seu sonho. Já percebeu há muito o percurso dos melhores alunos da Faculdade, e, como eles, quer lutar pela melhor média que lhe permita ir fazer o mestrado a Portugal depois de concluir a licenciatura. E depois voltar para ajudar o país. Embora não ponha de parte um dia sair do país para ir para outro ajudar, como, diz: “vocês fizeram”. (E com isto exclui qualquer tentativa de não me comover).
Recentemente ganhou uma bolsa de estudo que é oferecida pela Cooperação Portuguesa a dez alunos da Faculdade, e assim poderá financiar o curso, o que é muito importante, pois neste momento as dificuldades que enfrenta poderiam mesmo levá-lo a pensar em desistir do curso. Embora formalmente já seja beneficiário, na prática o dinheiro demora algum tempo a chegar, e será apenas uma ajuda para tudo o que tem que enfrentar, pois é o único lá de casa que leva algum dinheiro para a sobrevivência da mãe, dos quatro irmãos mais novos, e agora também do sobrinho, filho da irmã mais nova.
Esta situação para a qual a palavra difícil não chega, levou a que, em Janeiro, tivesse feito o seguinte: vendeu um livro, o Código Civil, que foi oferecido a todos os alunos que entraram este ano para a Faculdade. Quando o recebeu na cerimónia de abertura do ano lectivo, em Outubro, beijou-o e disse que era o primeiro livro que tinha.
Quando soube o que tinha feito, chamei-o. Perguntei-lhe como foi capaz de vender o livro. Porque não tinha vendido o telemóvel? Depois de lhe dizer em que cadeiras do curso lhe iria fazer falta aquele livro (quase todas em todos os anos), cheguei ao centro da questão, disse-lhe que poderia vender a camisa porque não trabalhava numa camisaria, poderia vender os sapatos porque não trabalhava numa sapataria mas não podia vender um livro igual àqueles que existem na Faculdade, quando a maior parte deles até está à sua guarda, não poderia admitir que sobre eles recaíssem quaisquer suspeitas (pois foi com um grau de insinuação e suspeição que infelizmente a história me foi contada). Disse ter compreendido a lição.
Dois dias mais tarde, durante os quais me questionava sobre se teria sido melhor a lição ou se lhe devia antes ter oferecido o meu Código Civil, o Tovoy vai e zás, aparece na Faculdade com um cachecol da selecção acabadinho de comprar e que lhe custou mais de um terço ou metade do valor que tinha recebido da venda do livro. Nova reprimenda.
Não posso esconder que estes episódios foram uma desilusão, mas o Tovoy balança entre o menino que nós vemos, e às vezes pensa como menino, e o homem que é e que tem que ser para a família. E seja como menino seja como homem continua a precisar destes amigos, e este sorriso – neste dia por ter ganho o 1º Prémio de um sorteio de rifas – é o maior agradecimento que pudemos ter.
Pediu-me para o ajudar a fazer uma pesquisa na net na 6ª feira e diz que te quer mandar um mail, Lili. Tentaremos o mais que podermos. Mesmo este post é publicado com um atraso de dois dias porque aqui a net é quando é possível não quando nós queremos, mas aprendemos a viver com isso, porque em muitas outras coisas na vida também é assim.
9 comentários:
Obrigada, Ana, por me deixares ver um dos meus meninos de Bissau. E o Tovoy é para mim um menino especial. Foi dos primeiros frequentadores da OfLP do Liceu Rui da Cunha que conheci. Todos os dias, à tarde, lá me aparecia na Oficina cheio de vontade de aprender, juntamente com o Jesualdo (o do Hino). Rapidamente passou a ser alguém em quem confiava e alguém de quem comecei a gostar... muito!!
Quando lhe disse que ia regressar a Portugal, disse: "- Mas eu não tenho nada para te dar!" E eu, claro, disse-lhe que não precisava de nada, não queria nada. Julguei que a conversa tinha ficado por ali.
Na véspera da vinda, chega-me o Tovoy com uma prenda: um colar de búzios que era dele e que eu, tempos antes, na Festa da FDB, lhe tinha gabado.
Escusado será dizer que daí às lágrimas foi um saltinho.
Adoro-te, Tovoy, e estou à espera do teu email.
Obrigada por teres lutado e por teres aproveitado a oportunidade que te foi dada por alguns professores do PASEG e pela FDB.
Beijinhos e, mais uma vez, OBRIGADA, Ana!!!
Um abraço ao Tovoy!
E parabéns Ana, por mais este post, tão cheio de sentido.
Beijinhos.
Obrigado pelo comentário no meu blog. Este é igualmente um presente!
Apetece-me lê-lo de ponta a ponta e irei fazê-lo...
Sinto a Guiné em cada palavra que já li. Tudo tão sentido, tão honesto e verdadeiro.
Obrigado por me ter sido dada a oportunidade de ler este blog!
Até breve!
Obrigada Ana por dares a conhecer tão bem a Guiné ....são nestes pequenos pormenores que ficamos a saber como África e' grande, grande nas sua gente, na sua terra, nos seus sentimentos!
Descobri este blog por um acaso.
Este levou-me a outros links.
Eu estava desconfiada que a Guiné tinha qualquer coisa de especial para prender as pessoas aí...para ficarem 'agarradas'...hoje tenho a certeza.
Adoro África...espero numa das minhas viagens passar por aí.
Obrigada pelas dicas.
E' do teu trabalho que a Guiné precisa. Continua.
Ola
Blog interessante, parabéns!
Voltarei com mais tempo.
Cumprimentos desde Portugal.
Agradeço e dou-te os parabéns ao teu Blog!
Muito obrigado por disponibilizares algum do teu tempo a dares a conhecer Africa e especialemente a Guiné Bissau. Muito em breve vou estar tb em Bissau por motivos profissionais.o teu blog foi me importante para conhecer um pouco mais da guiné. Obrigado pelas palavras simpáticas que muito me sensibilizam e simultaneamente são estimulantes para a continuar com mais entusiasmo o meu trabalho em Bissau
Até um dia destes, e continuação de um excelente trabalho.
Agradeço e dou-te os parabéns ao teu Blog!
Muito obrigado por disponibilizares algum do teu tempo a dares a conhecer Africa e especialemente a Guiné Bissau. Muito em breve vou estar tb em Bissau por motivos profissionais.o teu blog foi me importante para conhecer um pouco mais da guiné. Obrigado pelas palavras simpáticas que muito me sensibilizam e simultaneamente são estimulantes para a continuar com mais entusiasmo o meu trabalho em Bissau
Até um dia destes, e continuação de um excelente trabalho.
Bruno Duarte
Deliciada com tudo o que descreveu do Tovoy com as suas atitudes de simplicidade e inconsciencia, quando decide vender o seu livro do código civil e quando compra o cascol.
Foi um gosto para mim ver como cada palavra que diz é de amor em relação aquilo que faz e da protecção que exerce sobre o Tovoy. Adorável, sem dúvida!
Parabens e continue a escrever porque são estes testemunhos que enriquece todos aqueles que tem oportunidade de os ler.
Entretanto farei questão de explorar todos os outros post's que se encontram neste blog, o qual descobri hoje mesmo.
Continua Ana a cuidar deles!!!...mas conto que olhes por "ele"!!!
Abrrrrraço.
Rafa
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