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segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

SONHOS DE NATAL

É difícil escrever sobre o Natal na Guiné-Bissau. Ainda não foi desta que lá fiquei a passar o Natal pois as saudades da família falam sempre mais alto. Sei que não está tudo enfeitado como por aqui. Faltam as luzes, as fitas, as bolas, as imagens do pai natal, da árvore, do presépio, o frio. Mas não faltam os sonhos. É o povo guineense o mais sonhador que conheci. É que é mais fácil sonhar com os brinquedos que vemos na montra e na televisão do que sonhar apenas com aquilo que se acha que já existe, que já se ouviu falar mas nunca se viu. E quem fala de brinquedos fala de tudo o resto. Na Guiné a esperança, a imaginação, os sonhos voam todos mais alto. Mesmo para aqueles que não vivem esta época rodeados daquelas prendas, há outras bem melhores. O mais importante do Natal também se celebra na Guiné. Também nesta época se juntam as famílias e os amigos. E porque são estes que contam e que tornam esta uma época especial, desejo a todos, em especial à minha família e aos meus amigos, em Portugal, na Guiné, e pelo resto do Mundo,
UM NATAL MUITO FELIZ!
Muitos, doces e bons sonhos!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

UM PALÁCIO

Já foi o Palácio do Governador, depois o Palácio Presidencial. Hoje… parece que não é de ninguém. Este Palácio situa-se na principal praça de Bissau, a Praça dos Heróis Nacionais (antes Praça Império). É praticamente impossível ir à cidade sem passar por aí.
O Palácio está como a imagem demonstra. Bastante marcado pela guerra. Passaram quase 10 anos. Não sei se é muito, se é pouco. Mas não há qualquer sinal de recuperação do Palácio. Imagino sempre que ali passo, o que poderia ser feito ali: um museu, uma biblioteca nacional.
Melhor seria, cada vez que se ali passa, pensar nas maravilhas que podiam estar no interior de um belo edifício, em vez de recordar a violência da guerra, o telhado destruído, os vidros partidos, buracos de balas e bombas. Não que se esqueça, mas na vida sempre é melhor viver o presente, sonhar com o futuro e deixar no “fundinho” as (más) recordações.

ROSTOS BISSAU III

Saliu é um funcionário da FDB. Às vezes mais apetece dizer “o” funcionário da FDB. Em Abril de 2007, umas das minhas actividades extra-docência passou a ser o apoio aos serviços administrativos da faculdade, vulgo a Secretaria. É aí que está o Saliu, e ele desdobra-se em trabalhos pela instituição, desde a distribuir os livros de sumários, a fazer todos os recados dentro e fora da faculdade, entregar convites para cerimónias, recolher programas e outros documentos para arquivo, afixar avisos e, no meio disto tudo, cumprimentar todas as pessoas que por ele passam. O Saliu é sem dúvida o melhor exemplo de funcionário que por aqui já encontrei. Já tem alguma idade e as coisas evoluíram muito na faculdade, mas faz um esforço enorme e tem uma vontade gigante de fazer e fazer bem. É humilde, e fica zangado consigo próprio se por acaso se esquece de alguma coisa ou há alguma que faz menos bem. Diz muito apressadamente “O Saliu pede desculpa” e faz um gesto e acena a cabeça, como quem diz “Não sei onde estava com a cabeça”. É genuíno naquilo que faz, naquilo que diz, tem orgulho no seu trabalho, o que se não é assim tão fácil de encontrar. Como a generalidade dos guineenses queixa-se das dificuldades económicas mas quem o pode censurar?! Tem salários em atraso e (só) ganha cerca de 26.000 FCFA por mês, sim estamos falar de cerca de 40€. É mais do que orgulho no seu trabalho, é por amor à faculdade e às pessoas que dela fazem parte que o Saliu lá está todos os dias, que diz bom dia a toda a gente, que sempre diz: “O Saliu vai fazer, vai tratar”, o que for preciso.
É muçulmano e não celebra o Natal mas há uns “Pais Natais”amigos que o visitam todos os anos. E este ano já abriu uma das prendas que o está a deixar muito feliz e que exibe com orgulho: uns sapatos novos. É que no que toca à vaidade, não há ricos nem pobres na Guiné, todos gostam de se arranjar bem, principalmente para as festas. Na última cerimónia da FDB, quando a foto foi tirada, até disseram ao Saliu que ele mais parecia um “Presidente”. Não há quem resista a elogios, e como o melhor caminho para os receber é merecê-los, há que fazer por isso. Aqui, nas festas todos os merecem, todos dão o melhor de si. No trabalho, o Saliu merece todos os que se lembrarem.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

UAQUE

Já não parece estranho ao fim deste tempo todo. Já me parece normal estar na piscina e a apanhar sol num fim-de-semana em Dezembro. Infelizmente não é possível fazê-lo mais vezes. Bom seria que todos os fins-de-semana fossem isso mesmo, mas nem sempre é possível deixar tudo e só descansar, não pensar no trabalho, em tudo o que há para fazer, tratar, organizar. Mas quando é …
Este domingo ir a Uaque teve uma motivação diferente, o aniversário de um amigo. Mas às vezes não precisa de mais motivação do que o querer. Uaque é um hotel rural a cerca de 40 Km de Bissau, onde se come muito bem, e onde em época de caça tem mesmo das melhores delícias. Para as visitas é um ponto de passagem obrigatório. Para quem cá está, Uaque é às vezes também um refúgio. Lá esquecemos um pouco a cidade de Bissau, no meio de todas aquelas árvores, calma e paz, conseguimos ficar absorvidos a ler uma “Sábado” ou “Visão” que pode não ter mais de 1 mês. É um dia egoisticamente bem passado e merecido para quem durante a semana de trabalho observa e vive realidades bem diferentes, que às vezes não deixam tempo para pensar tanto em nós. Às vezes também faz falta.

sábado, 8 de dezembro de 2007

CACHEU, CIDADE ANTIGA E DE PEREGRINAÇÃO

Foi só em Março deste ano que se propiciou a visita a Cacheu, com a vontade de um grande grupo, que incluía pessoas que aqui estavam por poucos dias e não queriam deixar de visitar esta cidade histórica. Foi uma visita adiada durante muito tempo principalmente pelas péssimas condições da estrada, mesmo assim só este Verão ficaram concluídas as obras, pelo que em Março a viagem não se fez sem alguns solavancos.
Cacheu é a “cidade antiga” da Guiné, foi fundada com a construção de um forte em 1588; há mais de 400 anos.
Em Bissau, o que ouvia sobre Cacheu era a existência do forte e de estátuas de figuras emblemáticas da Guiné colonial, que antes se encontravam em vários locais da Guiné, e que ali foram depositadas (abandonadas) num descampado após a independência.
À chegada, naquele sábado, Cacheu parecia uma cidade deserta, e calma à beira do extenso rio que dá pelo mesmo nome. Em poucos minutos está visto o centro da cidade, a avenida onde se chega, ao fundo o rio, à esquerda um caminho que dá acesso ao forte ali bem perto. Segundas sensações (a seguir à desertificação e calmaria): “Este é o forte?” “Tão pequeno?” Não é desilusão, só surpresa, para quem imaginava uma fortaleza com uma grande muralha e uma pequena cidade lá dentro, bem ao jeito de cidades históricas portuguesas como Évora, Óbidos, e tantas outras.
Subir um pouco o rio Cacheu foi das melhores experiências desse dia. Aquele é o Parque Natural dos tarrafes do rio Cacheu, decretado como área protegida da Guiné-Bissau em 2000. É uma zona muito importante para as aves migratórias. Há também outros animais, dizem que há crocodilos, o que não impediu o corajoso grupo de ir a banhos no Cacheu.
No fim mais uma prova da simpatia e bem receber do povo guineense: o Governador da Região convidou toda a gente para um almoço tardio mas recheado, numa residência de arquitectura portuguesa colonial, encantadora, de grandes divisões, e cheia de gente genuinamente feliz pelas visitas inesperadas.
Entretanto, ontem soube que hoje, dia 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, é dia de peregrinação a Cacheu. Milhares de pessoas vindas de toda a Guiné vão a Cacheu, pois também ali se acredita que apareceu um dia Nossa Senhora.








quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

BIJAGÓS I

Fez ontem 3 anos que fui pela 1ª vez aos Bijagós. O Arquipélago dos Bijagós é das paisagens naturais mais bonitas da Guiné-Bissau e do Mundo. Por razões várias, ainda não há uma grande exploração turística destas ilhas, o que, para quem tem a oportunidade de as visitar dá a sensação única de ser um dos raros privilegiados a pisar solo virgem (ou quase). Há várias ilhas que são habitadas nos Bijagós, pelo povo a quem dão o mesmo nome, mas mesmo nessas às vezes não se vê ninguém. Foi o que aconteceu no passeio à ilha de Maio. Tem habitantes, já teve um hotel do qual só restam as ruínas, mas chega-se àquela praia maravilhosa e só lá estamos nós (éramos uns 8). Deixo-vos as fotos da ilha e da pescaria, e a promessa de escrever muito mais e mostrar muito mais dos Bijagós.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

ROSTOS BISSAU II

“Braima, tem um problema no carro de Ana!” Normalmente é assim que começa o difícil diálogo com Braima, o mecânico. Até agora o jipe, apesar dos seus 20 aninhos, não tem dado grandes problemas, mas quase não passa um mês sem precisar dos cuidados do Braima (as estradas aqui não ajudam). Foi assim que o Braima, nos últimos dois anos e pouco, se tornou um amigo e um profissional essencial na vida da Ana. A “oficina” é mesmo aqui ao lado do muro do Bairro e aí se pode dizer que se fazem milagres pois a oficina não tem paredes nem chão, só umas esteiras aqui e ali, e quase não há peças ou ferramentas. Mas tudo se arranja na hora, e conforme o problema de cada viatura.
Do Braima, mecânico, muçulmano, profundamente religioso, e com o sonho de ir para a Europa, o que quero recordar para sempre e partilhar com vocês é a forma de diálogo entre nós que, não sei como surgiu desta forma mas falamos como se estivéssemos a falar na 3ª pessoa, o que é simultaneamente estranho e engraçado.
A Ana pergunta: “O Braima pode arranjar o carro da Ana hoje?” e o Braima responde: “Se Ana não vai precisar de carro.” ou “Que horas que Ana vai precisar de carro?”.
E também: ”Braima, quanto é que isso pode custar?” ou no fim do arranjo ou da revisão: “Braima, é quanto?. Ao que o Braima responde sempre em primeiro lugar, e esta é genial: “Depende de quanto a Ana pode pagar.”
É assim em quase toda a África, não há um preço só para quase nada, quase todos os preços são para serem discutidos. Sim, nas oficinas também, e pasmem-se: mesmo nas farmácias. Mais uma vez, ontem, o jipe precisou da intervenção do Braima: um furo no pneu. Aproveitei para lhe pedir para lhe tirar uma foto (esta) e expliquei-lhe que queria escrever sobre ele aos meus amigos e se sabia o que era a Internet. Sabia que era pouco provável mas como há muitos cybercafés em Bissau podia já ter ouvido falar. Expliquei-lhe mais ou menos o que era, e ele concordou com a ideia (não sei bem se com um conhecimento esclarecido), e fiquei de o chamar quando tivesse tudo pronto. Acho que sei o que vai dizer; o mesmo que disse quando lhe tirei a foto: se podia tirar outra noutro dia em que já não tivesse o penso na testa (fez um pequena cirurgia há poucos dias). Claro que sim.

sábado, 1 de dezembro de 2007

DIA MUNDIAL DA LUTA CONTRA A SIDA

Hoje assinala-se o Dia Mundial da Luta contra a SIDA. Este é o continente com mais pessoas infectadas por esse vírus.
Já várias vezes tinha ouvido histórias sobre a SIDA na Guiné-Bissau, desde “a SIDA não existe”, como “não se morre de SIDA”, ou “a SIDA tem cura”, ou claro de doentes com SIDA que são discriminados.
Felizmente os mais novos estão mais sensibilizados para a doença e não foi difícil encontrar hoje vários estudantes na FDB com o símbolo do laço vermelho preso na camisa ou t-shirt.
Aproveitando a visita do Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos à FDB, hoje de manhã para participar no debate sobre se “Os Direitos Humanos são universais?”, perguntei ao Luís Vaz Martins (que foi meu aluno na cadeira de Direitos Fundamentais há dois anos) se havia discriminação, da parte de quem, e com que alegados fundamentos, ao que fui surpreendida com o seguinte: quem discrimina são a família e os amigos, não são por exemplo os serviços hospitalares, e porque julgam o doente com SIDA como aquele que não toma precauções no seu comportamento sexual, tendo por exemplo um homem relações com várias mulheres.
Estranho, porque, por outro lado, estou a falar do país onde a poligamia é relativamente bem aceite e profundamente praticada.
Quis informar-me mais sobre como é viver com esta doença aqui. Que cuidados, tratamentos têm à disposição? Como é viver com SIDA na Guiné-Bissau?
Fui ao Hospital da Cumura. A Cumura é uma missão católica a cerca de 20 Km daqui. Já tinha ouvido falar muito bem das condições lá. Muitas pessoas de Bissau vão lá para serem tratadas já que o principal hospital público de Bissau não só não tem as melhores condições, como de vez em quando (como neste momento) faz greve por falta de pagamento dos salários.
A irmã, responsável pela missão, estava a descansar. Confesso que não escolhi a melhor hora para visitas, neste país. Mas fui muito bem recebida pelas enfermeiras Antónia e Joana (nomes pouco comuns para mulheres guineenses). Fiz uma visita a parte do Hospital e reconheço as boas condições que ali existem, dadas as dificuldades do país.
Fui todo o caminho a perguntar-me como é que lá iria perguntar se podia falar com algum doente com SIDA. Não sei se levariam a mal, não sei se alguém permitiria ser identificado… Mas lá ganhei coragem (ou lata) e perguntei à Antónia se havia ali algum doente com SIDA, e a pergunta seguinte seria se podia falar com algum desses doentes. Assim que fiz a primeira pergunta a Antónia disse logo e naturalmente que sim e fez-me um sinal de “vem”. Tínhamos acabado de visitar o quarto das mulheres grávidas e voltámos a entrar e ela aponta “toda essa fila de mulheres”. O quarto tinha 10 camas, 5 de cada lado, divididos por um corredor central. Olhei para o meu lado esquerdo e estavam três mulheres grávidas. Não sei bem que expressão fiz ou o que senti mas a Antónia trouxe-me uma cadeira para eu me sentar entre duas das camas. Nunca antes me custou tanto não perceber crioulo ao fim deste tempo todo. A comunicação não foi fácil mas lá conseguimos perceber umas coisas umas às outras. Por momentos pensei que tivessem que passar toda a gravidez ali internadas, mas não, explicaram-me que estão ali umas semanas para aprenderem a fazer o tratamento e depois iriam para casa até à hora de dar à luz. Também soube que o tratamento que lhes é dado é gratuito. Apareceu pouco depois a paciente da quarta cama, também ela grávida, também ela doente com SIDA e falava um pouco mais em português (é estudante numa escola em Bissau).
Uma delas também se chamava Ana e estava grávida de perto de 7 meses, e de gémeos.
Soube bem estar ali à conversa com elas, não estavam tristes, deprimidas ou desesperadas. Confesso que nunca pensei. Só a Ana parecia mais preocupada e mais com o facto de ir ter gémeos pela segunda vez.
De resto, perguntei-lhes se tinham fé, ao que uma delas respondeu “muita fé”. Uma delas disse com um misto de receio e esperança que não sabia se o bebé ia nascer bem por causa do problema do sangue. Ficaram contentes com uma visita diferente e eu também. Cheia de vontade de voltar.
Mais uma lição de vida e desta vez também de fé. Confesso que depois de decidir que ia fazer esta experiência que tive medo do que poderia encontrar, das emoções, de sentimentos de revolta, de medo, de vergonha. Mas estamos sempre a aprender.
Antes de terminar ainda perguntei à enfermeira se tinham forma de saber se os bebés ficariam infectados com o vírus antes de nascerem ou logo a seguir, mas disse-me que só faziam o teste ao bebé com cerca de um ano e com um olhar de esperança disse “é quase sempre negativo”.