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sábado, 26 de dezembro de 2009

FESTAS DE NATAL II

AMIGAS DA CASA EMANUEL

Este tem sido um dos posts muito adiados. Não é fácil e continuo a não saber o que vou escrever.

Desde o primeiro ano em Bissau que vou ao Orfanato Casa Emanuel. A primeira vez as minhas colegas que estavam em Bissau há mais tempo levaram-me, a Mónica, a Cláudia e não me recordo se mais alguém nesse dia. Voltei lá muitas vezes sozinha. Voltei lá várias vezes com visitas para que conhecessem. Mas é sobretudo quando vou sozinha que me sinto invadida por um turbilhão de sentimentos, de tal forma que às vezes ando dias e semanas a adiar uma visita. Fico dividida entre o “coitadinhas daquelas crianças”, expressão que mais oiço quando falo no Orfanato pela primeira vez a alguém, ou que sorte ou alegria daquelas crianças por poderem estar onde estão. Não há maneira de algum dia concluir qual o lado que tem razão.
Algumas das crianças são verdadeiramente órfãs, outras a mãe morreu no parto ou após e os pais ou família vão ali entregá-las, outras até podem ter pai ou mãe vivos mas são abandonados por diversas razões que não cabe a ninguém julgar, alguns são deficientes, muitos ou todos, terão melhor vida ali, mais cuidados, mais amor.
Acima de tudo, como o Joel e a Joana dizem, a Casa Emanuel é um pequeno oásis em Bissau.
Tem uma escola com as melhores salas de aula que existem no país, desde a 1ª à 6ª classe.
Tem um espaço para brincar, pátio, parque infantil, um espaço limpo, arranjado e equipado. Um espaço pensado verdadeiramente para as crianças brincarem, muito, muito raro em Bissau.
Tudo isso só é possível graças às ajudas externas. Funciona com o apoio da Cooperação Portuguesa e de diversas entidades, como a RTP.
Mas mais do que os apoios externos, as imensas possibilidades de uma vida com mais qualidade e carinho só são possíveis graças à irmã Isabel e à irmã Eugénia. São fantásticas. Assim como todos os voluntários que por lá passam. A ajuda deles é preciosa. Cuidar de mais de 140 crianças (em 2005 eram quase 100, o número aumenta consideravelmente todos os anos) não é tarefa fácil e a ajuda de todos os braços disponíveis é bem vinda. Aqui é impossível não prestar a mínima homenagem ao Joel, que tem sido incansável na recolha de tudo o que é necessário no Orfanato e de quem às vezes oiço falar em visitas ao Orfanato de forma ternurenta como: foi o Joel que trouxe! Foi o Joel que arranjou na última vez que cá esteve. E da Joana, que deixou tudo para se dedicar como voluntária na Casa Emanuel durante dois meses este ano. Vivia lá e passava todo o dia a cuidar das crianças, a educá-las a fazer actividades com elas. É brilhante!
Na foto da direita a irmã Isabel com a Mariama, a primeira criança a ser acolhida na Casa Emanuel e que foi adoptada pela irmã Isabel. Adoptou pelo menos mais cinco mas todas as crianças da Casa Emanuel lhe chamam Mãe.

A duas semanas do Natal, mesmo que em Bissau não o parecesse, escrevi às minhas gajas. Cada uma destas minhas amigas, uma amizade nascida na universidade, é especial e diferente. Ao fim de doze anos, e depois de há cerca de sete cada uma ter seguido o seu caminho, continuamos a manter uma relação de amizade que não procuramos explicar mas que nos une, que nos faz querer não perder pitada da vida de cada uma. Mesmo quando faltámos o casamento de uma ou os primeiros dias do primeiro filho de outra é como se estivéssemos estado sempre lá e recuperamos cada momento afastadas num encontro em que todas falamos ao mesmo tempo e parece que nunca estivemos três meses sem nos vermos.
Cada vez que regresso a Portugal, ainda que por um curto período de tempo, um encontro com vocês é obrigatório, é quase sempre a primeira coisa a marcar na agenda para aqueles curtos dias.
Não foi surpresa mas foi com grande alegria que recebi as respostas de cada uma à minha ideia. Juntas, íamos tornar mais doce o lanche de Natal das crianças da Casa Emanuel em Bissau.
Assim, depois de um orçamento indicativo que previa latas de leite em pó para os mais pequenos e sumos Compal, bolachas e bolos diversos para os mais crescidos, fui às compras e, em seguida, com a mala do carro cheia de coisas boas, em direcção ao Orfanato.
Os mais crescidos ajudaram a descarregar e sob o olhar agradecido da irmã Isabel tudo foi arrumado no bloco dos escritórios a aguardar a semana seguinte.
Espero que ontem, dia de Natal, o lanche tenha sabido bem. Mas só na primeira semana de Janeiro volto a Bissau e estou curiosa para ouvir contar como foi.

Para todos continuação de Boas Festas e em especial estes votos com uma imensa expressão de agradecimento à Elsa, à Guida, à Inês, à Rita e à Filipa.
Este conjunto de fotos foi tirado no ano passado, na visita da Margarida à Guiné, que ficou encantada com aquelas crianças, pegava em todas, e nenhuma a queria largar. No centro à esquerda eu com o Gabriel, o meu menino favorito do Orfanato.
Este último conjunto de fotos foi tirado numa visita feita em Junho com algumas amigas, a Ana Sofia, a Fátima e a Teresa, que no ano lectivo anterior se encontravam em Bissau e a quem fizeram chegar brinquedos que nesse dia levámos ao Orfanato. Foi também um dia de grandes alegrias naquela Casa.

No último ano foi construído um pequeno hospital na Casa Emanuel, a pensar não só nas crianças mas também nos seus nascimentos e nas suas mães, por isso grande parte é uma maternidade. A próxima campanha Coração na Guiné pretende recolher materiais para o seu funcionamento. Visite o site e apoie.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

FESTAS DE NATAL I

NA TABANCA DA MAIRA

A meio de Dezembro em Bissau não se respira Natal. Não está frio, não se enfeitam árvores, não há iluminação de Natal, nas ruas à noite nem sequer há luz, não há montras cheias de motivos de Natal, ou cores verde, vermelho, branco ou dourado. Nessa altura as saudades de casa aumentam. Não é pelo frio, pelas luzes, pelas montras ou pelas cores.
Em Bissau, poucas pessoas festejam o Natal, poucas pessoas seguem as tradições a que me habituei em todos os Natais da minha vida. E as melhores tradições, não só para as crianças mas sobretudo para elas, são os doces e as prendas. E em Bissau poucas crianças recebem prendas de Natal ou comem doces.
Ao longo dos últimos meses a Maira recebeu algumas prendas: livros, chinelos, mochila, cadernos. E os meninos da sua tabanca miravam com olhares de desejo as suas coisas.
Ainda havia tanta coisa lá em casa. Alguns brinquedos oferecidos por uma senhora para quem o meu pai trabalhou, algumas roupas compradas de tempos a tempos no Bandim e outras oferecidas pela mãe, pela Lena e aqui e ali. Tudo à espera de dias destes.
Uns dias antes, numa das vezes que fui levar a Maira, recolhi os dados, nomes e idades das crianças daquela tabanca. Poderia faltar um ou outro mas ao fim de um bocado a lista continha 12 meninos com idades entre o 1 ano e os 12 anos e 31 meninas, sendo que as últimas sete já eram crescidinhas, entre os 16 e os 19 anos, e até a Amélia de 23 anos, mãe da Sandira de 5 meses teve lugar na lista, pois estas ajudaram a preenchê-la.

Organizei o lanche, bolos, bolachas e sumos. A primeira parte uma excitação com alguma facilidade de gerir. Tudo muito ansioso por receber um saquinho com o seu nome, e até se aguentaram calmos à volta da mesa onde era preparado o lanche. Tudo a postos e os saquinhos foram sendo distribuídos à volta da mesa, chamando os nomes das crianças. A exaltação aumentava. As outras crianças queriam agarrar a prenda das que iam recebendo, e por isso cada uma que recebia agarrava a sua prendinha contra si sem a retirar do saco. No final da distribuição das prendas, a distribuição do lanche, que primeiro decorreu de forma quase ordeira, com direito a fila e tudo, mas rapidamente a confusão se instalou e tudo desapareceu num abrir e fechar de olhos.

A Lote ajudou a levar as caixas com as prendas. A Miriam com apenas 1 mês.
A Joaninha e a Uassila com 4 anos.
No final quando sobrava um pacote de bolachas a imagem era esta: mais mãos estendidas do que bolachas para dar.

Foi a festa de Natal possível para crianças que sabem muito pouco do Natal mas que sentiram naquele dia um bocadinho daquilo que muitas crianças sentem no dia de Natal: felicidade e desejo de que Natal fosse todos os dias.

Boas Festas!

domingo, 6 de dezembro de 2009

SERIFO, EX-MÚSICO, GUARDA DE DIA, A CERIMÓNIA GDUBA E O SACALÁ

Em Junho o Serifo veio ter comigo. Muito abatido. Queria autorização para tirar férias. Não me cabe a mim esse tipo de autorização mas por mais que lhes diga (na faculdade) insistem em achar que eu é que mando. Não fazem quase nada se não lhes disser e perguntam-me o que eu nem sei nem tenho que saber.
Não sabe quantos dias de férias precisa. A razão do Serifo para precisar desses dias é que tem de ir fazer a “cerimónia de lavagem”.

O Serifo é de Buba no Sul da Guiné. Tem 50 anos. Toda a sua família se encontra em Buba e ele vai até lá sempre que pode. Essa família inclui 2 mulheres, 9 filhos e um pai de 99 anos, que contradiz todas as estatísticas da esperança média de vida deste país. É o homem mais velho de Buba e já foi entrevistado na rádio.

No entanto a mãe do Serifo já morreu e depois de a mãe falecer ele devia fazer a cerimónia de lavagem do corpo Gduba. É essa a razão pela qual ele não se anda a sentir bem. A mãe era de etnia biafada e o pai da etnia mandiga. Se perguntarmos ao Serifo qual a sua etnia diz, em primeiro lugar, que é biafada mas segue as tradições de ambas as etnias.

Segundo a etnia biafada há sempre um contrato entre cada pessoa e o dono do mato, o Sacalá,e quando morre algum familiar como o pai ou a mãe é necessário o sacrifício de alguns animais para dar o seu sangue ao Sacalá, sob pena de as pessoas que não fizerem essa cerimónia virem a ter problemas de saúde ou quaisquer outros azares. Todas as pessoas têm que promover essa cerimónia quando se encontram numa dessas situações e nem a falta de condições económicas, para comprar, por exemplo, os animais, pode ser obstáculo.

O Serifo partiu e durante vários dias não havia notícias dele. A minha mente, incapaz por vezes de compreender culturas tão diferentes, levavam-me a pensar que talvez o Serifo estivesse doente e que seria melhor ter tentado convencê-lo a ir ao médico, ou até que o próprio Serifo já ultrapassava em alguns anos a esperança média de vida dada aos homens deste país (o seu pai é uma excepção raríssima); e se ele estivesse mesmo doente? De vez em quando, de manhã ao chegar à faculdade, perguntava ao Saliu: “O Serifo já voltou do Sul?”, “Alguém teve notícias do Serifo?”. Nada.

E um dia o Serifo voltou: muito bem-disposto, com melhor aspecto, parecia um homem novo. Vinha feliz, satisfeito, aliviado. Tinha cumprido o seu dever.

O Serifo é guarda de dia na FDB há quase cinco anos, veio substituir o Vicente quando este faleceu. Como ele fazia, liga e desliga o gerador, abre e fecha as portas das salas, leva e traz os livros de sumários, ajudando o seu grande amigo Saliu, e por vezes aparecem outras coisas para fazer. Antes trabalhou num projecto da cooperação holandesa de abastecimento de água. “Acabou o projecto”, lamenta, pois diz: “ganhava bem”. Mas a grande surpresa foi descobrir recentemente que o Serifo foi vocalista na primeira “orquestra” da Guiné-Bissau, os Cobiana Djazz, grupo fundado por José Carlos Schwarz, que depois fundou também os Super Mamma Djombo, dizendo-se portanto que este segundo grupo, hoje mais famoso, teve origem no primeiro.

Quando lhe disse que ia escrever sobre ele perguntei-lhe se teria alguma coisa para dizer a alguém, talvez aos meus colegas que estiveram neste projecto (FDB). Ri-se, mas depois começa a desbobinar. Muito teria para dizer mas resume-se a: “ainda tenho as sapatilhas que o Dr. João me deixou mas se ele pudesse mandar outras.” Agora rio-me eu. E termina dizendo mantenhas (em crioulo) ou abarca (em mandiga) ou numbara (em biafada) para os doutores João, Ataíde, Mónica e Cláudia.