Este post poderia começar de forma talvez mais interessante se dissesse que acordei com o som de uma explosão seguida do som de muitos tiros. Mas eu não acordei. E por isso acordei tranquila como em qualquer outro dia.
Infelizmente muitos guineenses em Bissau acordaram ao som da explosão e dos tiros.
Que conhecem muito bem, e que não os matando de vez, cada tiro faz morrer neles mais um bocadinho de esperança.
Ontem, ainda antes de dormir já sabia que tinham assassinado o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, “Tagma”. Mas inconscientemente – inconsciência tem sido o meu estado durante as últimas horas – não pensei que se pudesse seguir o que seguiu na madrugada.
De manhã eufórica, a tentar acompanhar as notícias na televisão, na net, a falar ao telefone, a devolver as chamadas não atendidas de madrugada, o meu estado não me permitiu logo compreender a situação. Pelo menos não de uma forma subjectiva.
Era triste e grave que o Presidente eleito democraticamente tivesse sido assassinado. Seria substituído pelo Presidente da Assembleia Nacional Popular. Alguns dias de instabilidade, de luto nacional. O país recuava um pouco, novamente. Mas daqui a uns tempos a normalidade.
(Tanto que hoje o Secretário Geral da CPLP já pediu para ninguém considerar que estes acontecimentos são normais na Guiné, apesar de já se terem repetido semelhantes).
Quase a meio da manhã não achei que a
Nené viesse. Era normal que com todo o
alvoroço não fosse um dia normal. Não iria haver aulas. Não iria à Faculdade. Talvez nem à rua porque o desaconselhavam os serviços diplomáticos.
Mas a meio da manhã a Nené chegou. Fui dar com ela na cozinha. Perguntei-lhe como estava, porque tinha vindo.
Foi a olhar para ela e a ouvir as explicações dela que “acordei” do estado de ignorância ou inconsciência em que estava até então. Veio carregar o telemóvel. Depois com olhos de quem tinha estado a chorar e com voz de assustada contou: “Não dormi. Toda a noite muitos tiros. (…) Os meninos ficaram em casa. (…) Sim, vou voltar para casa depois de carregar o telemóvel, vou ficar com os meninos. (…) Ninguém dormiu nada. Todas as pessoas estão muito assustadas. Algumas pessoas já começaram a fugir.”
A fugir? Então atingiu-me. As pessoas estavam com medo.
Ainda na 5ª feira passada, à tarde, ouvi guineenses louvar e chamar com alegria pelo Presidente Nino / General Cabi que passava na Avenida 14 de Novembro ao regressar ao país após duas semanas de ausência, e por isso muitos guineenses choram a sua morte e estão muito tristes, mas mais do que isso esta madrugada o povo guineense assustou-se, reviveu os momentos de terror da guerra que acabou há menos de 10 anos.
Não sei se com convicção suficiente disse à Nené que ficasse calma, que não iria haver mais guerra. Não ia acontecer mais nada.
Na foto, o Poilão de Brá, marco da “guerra do 7 de Junho”. A Junta Militar estava antes do Poilão de Brá (no sentido do aeroporto) e as forças leais do também então Presidente Nino Vieira estavam depois do Poilão (no sentido do centro da cidade).
Os guineenses não querem mais marcos de guerra, não querem mais guerra.
Ao fim de todos estes anos parece que a estabilidade de que se fala e deseja todos os anos está sempre a ser adiada para um futuro incerto. Hoje foi adiada por mais algum tempo.