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domingo, 5 de outubro de 2008

ATÉ JÁ

Desde Julho que nos andamos a despedir dos amigos (novamente). A minha passagem pela Guiné é semelhante a tantas outras. Viemos um dia para uma experiência que saberíamos que acabaria, só não saberíamos quando. Vim por 1 ano (lectivo). Como a maior parte dos cooperantes (sobretudo os ligados a projectos de educação). Apaixonamo-nos pela terra, pelos projectos, por amigos, por tanta coisa. Desejamos ficar mais tempo. E temos ficado.
Os amigos que aqui tenho feito, os mais amigos, ficarão muito para além da Guiné. É por isso que nas férias nos encontrámos, alguns casaram este Verão em Portugal e estivemos juntos nesse dia.
Custa-nos falar de despedidas e é por isso que dizemos que não é uma despedida, é um até já.
Sabemos que dificilmente voltaremos a estar juntos aqui, como temos estado, mas estaremos juntos muitas outras vezes, em outros lugares.
Os guineenses adoram esta expressão, e nós também: “estamos juntos”.
Sim, estamos.
Para todos os que mudaram de lugar, mas que deixaram saudades neste, um beijo e abraço sentido. Muitos beijos e saudades em especial para a Mónica, Liliana, Pedro, Tânia e Domingos. E claro o João.

(Dias cinzentos estes últimos em Bissau)
(Mas boas recordações das despedidas para ajudar a iluminar os dias)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

JUNHO É PASSADO

Junho foi dos meses mais difíceis dos quase quatro anos de Guiné (Julho também). Mas como sempre acontece há também coisas boas para recordar e mesmo sobre algumas menos boas é mais fácil falar.
Dir-se-ia que o Euro 2008 não foi famoso para Portugal, mas em Bissau, nas vésperas do dia 7 de Junho, dia em que começava o Euro e em que na Guiné-Bissau se assinalavam os 10 anos do início de uma guerra entre a Junta Militar e as forças leais ao então e agora Presidente Nino Vieira, os jornais transbordavam de páginas sobre o Euro, sobre o futebol, as equipas, os jogadores mas nada sobre aquele acontecimento trágico. Milhares de mortos, famílias ainda hoje afastadas, fome, dor, ninguém esqueceu. Desde então o país ainda não recuperou. Mas um jornal diário, generalista, onde a edição habitual não ultrapassa as 20 e poucas páginas, conseguia dedicar 12 dessas ao futebol e apenas meia página a uma breve notícia sobre o conflito armado.
Fora isso. Os guineenses adoram futebol e a força e amizade com que torcem pela Selecção Portuguesa enche-me a mim e muitos de alegria.

Há mais episódios desportivos onde os guineenses torcem por nós e nós por eles. Também no início de Junho decorreu o II Torneio de Tennis da Cooperação Portuguesa, em Bissau.
Para quem gosta de ir ver os jogos, a disputa entre os amigos e rivais (?! só se for mesmo na modalidade) Osvaldo e Manuel é imperdível. Encheu-me de orgulho o 8º lugar conquistado pelo Osvaldo, o melhor entre os portugueses. Mas a final do torneio entre o Peti e o Bene não fica atrás de nenhum Open do Estoril ou Roland Garros, são profissionais a sério. Pessoalmente até prefiro o Estádio Lino Correia, em Bissau, onde o ambiente de desportivismo é acolhedor e contagiante.



Menos desportivo e mais académico foi mais um momento de entrega de diplomas a licenciados na Faculdade de Direito de Bissau. E aqui estou eu e o Yasmine num dia que me emocionou ver receber os diplomas numa cerimónia pomposa àqueles que já foram meus alunos. É das melhores sensações do mundo sentir que se fez parte da formação de alguém, que ensinámos alguém, que aprendeu connosco e que aprendemos com eles. O Yasmine foi o melhor licenciado do ano dele, e em seguida foi meu assessor em duas cadeiras novas do curso, tarefa nada fácil. Foi um colega e amigo, que agora está mais afastado por excelentes motivos profissionais. Conseguiu um emprego maravilhoso e merecido que me enche a mim e a todos na faculdade e no projecto de orgulho.

Com tanta emoção, as chatices com a falta de combustível até parecem menores.
Se às vezes no conforto das nossas casas (aqui) nos esquecemos de onde estamos, a verdade é que nos devíamos lembrar mais vezes, e foi isso que aconteceu durante várias semanas. Às vezes falta a gasolina, acaba, não há à venda durante uns dias. Mas dessa vez o problema foi com o gasóleo, alguma falta mas essencialmente divergências entre as gasolineiras e o Governo – sim, aqui como em Portugal, como noutros países.
As filas intermináveis ao pé das gasolineiras eram o problema menor; ao racionar do combustível do gerador é que é difícil habituarmo-nos.
Pois é, regra geral não há luz em Bissau, luz da rede, mas por todo o lado proliferam geradores altamente poluentes e barulhentos mas que nos permitem estar por exemplo aqui, no computador. Infelizmente a dependência pelo gasóleo é muito grande.
Estar então algumas horas por dia sem luz, sem computador, sem ar condicionado, sem frigorífico, sem água, deixou-me muitas vezes triste, às vezes desesperada, mas com uma admiração cada vez maior por um povo que vive sem nada disso, dias após dia, e ainda assim sabe viver feliz.

domingo, 1 de junho de 2008

DIA DA CRIANÇA


Um pouco por todo o Mundo hoje comemora-se o dia da criança.
Na Guiné-Bissau também há quem se lembre que hoje é o dia da criança. Pelo menos ontem no orfanato já algumas crianças ensaiavam músicas enquanto outras já brincavam com bolas oferecidas. Hoje algumas amigas foram distribuir os sorrisos enviados pela
Kassumai. Também na escola do ensino básico Salvador Allende havia um programa de actividades para este dia. Mas nem todas as pessoas se lembram, nem todas as crianças sabem.
Passei ali pela tabanca dos meus meninos, onde vive a Meida dos olhos azuis (e onde vivia a Fatinha), e ninguém parece saber que dia é hoje.
Afinal não é um dia muito diferente de outros. Alguns foram buscar água, o que tem que se fazer todos os dias e hoje não pode ser excepção. Lavar a loiça também é tarefa de todos os dias, seja que dia for.

Fico por ali um bocado, tempo suficiente para perceber que meia dúzia de brinquedos não chegam para ir visitar uma tabanca, onde as crianças abundam. Não é problema, aqui toda a gente sabe partilhar. O espírito comunitário deste povo é verdadeiramente impressionante, genuíno. Alguns estão tristes porque ainda não estão a agarrar um brinquedo, que já foi de algum menino que vive em Portugal, mas dali a instantes, o brinquedo já voltou a passar de mão, e todos terão o seu brinquedo por alguns momentos.
Quando me venho embora diz o homem garandi (homem grande/velho): Já acabou? Respondo: Sim, são muitos. Não é possível chegar a todos. E ele conclui: São muitos. É o problema africano!
Não sei se o problema é serem muitos, se os recursos é que são poucos, ou se tudo é mal governado e mal distribuído.
Aquelas crianças ainda não pensam nisso. Continuam a brincar, como deve ser.

(Agradeço a uma série de pessoas, amigas da minha mãe e da minha tia, que ao saberem que aqui estou, lhes vão entregando coisas dos filhos, roupa e brinquedos em muito bom estado, e que vou trazendo e distribuindo.)

FESTA ACADÉMICA

Na 6ª feira foi noite de festa de encerramento das aulas da FDB. A festa foi na Tropicana, um dos melhores espaços nocturnos de Bissau. Os guineenses adoram festa, e os universitários idem. Agora juntem-se as duas características e a festa só podia ser de arromba. Alunos, professores, funcionários, colaboradores e mais alguns convidados viveram horas de alegria, boa disposição, divertimento. Não há palavras que descrevam a música, perfeita, o ambiente, perfeito. Não há foto que o retrate, aliás quase todas ficaram escuras, desfocadas e afins. Mas isso não interessa. Uma só palavra descreve o ambiente: harmonia. Os alunos felizes, espantados com os professores, sim que afinal também dançam e se divertem como toda a gente. Caíram as máscaras e ali todos eram iguais, todos riam, bebiam, falavam e dançavam ao mesmo tempo. Foi um dos melhores momentos que aqui tenho vivido. A sensação de satisfação é indescritível.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

1ª GRANDE CHUVA

Quando se ouve alguém mais experiente ouve-se sempre: antigamente as chuvas iam de Abril a Novembro. Acho que as chuvas continuam a acabar no Dia dos Finados para (estranha e parece que propositadamente) lavar as campas. Mas nunca mais as chuvas começaram no mês das águas mil. No ano passado, a primeira grande chuva foi cerca de 19 de Julho, já depois desta ave ter migrado para o verão algarvio.
Este ano, diferente dos últimos quatro meses de Maio que já aqui passei, já choveu. Uns só chuviscos no dia 15, a primeira grande chuva na semana passada, dia 22, e agora, espera-se que chova amanhã. 5ª, 5ª e 5ª. É assim a chuva na Guiné, quase certa. Como começou a chover cedo, chove de semana a semana, depois passará a chover mais, e chegaremos à fase em que choverá todos os dias. Mesmo aí a chuva traz algumas certezas, sucede frequentemente que durante vários dias chove só de manhã, quase sempre à mesma hora, um dia muda e durante uns dias passa a chover à tarde ou à noite.
Deve haver uma explicação meteorológica para isto, mas da qual não faço ideia, e por isso me surpreende tanto, mas de uma forma tão mágica que me quer fazer ficar nessa ignorância sobre o tempo.
Com o aproximar do tempo das chuvas, chegam também as trovoadas. Primeiro as trovoadas secas, que este ano quase não tiveram lugar, mas que não seriam as mesmas, agora que se foi embora quem comigo partilhava um assento no passeio a olhar para o céu, a ver os relâmpagos, longe, sem mais nada, sem outra luz, sem som, ainda sem chuva.
A última trovoada foi na 5ª feira passada, e trouxe chuva, bastante. Na falta de imagens em condições da chuva que foi ao início da noite, mas já muito escuro, deixo-vos a imagem tirada na estrada que vai dar ao centro; eram cerca das 21 horas, não havia luz na rua, a não serem uns reflexos que se vêm ao longe e que pertencem à Embaixada de Angola, que fica nessa estrada, mas parece dia, toda essa luz é de um dos ditos relâmpagos.
Nenhuma foto consegue transmitir uma destas trovoadas. Mas são impressionantes.


Esta foto foi tirada quase imediatamente a seguir à anterior, apenas uns metros mais à frente. Sei que não se percebe quase nada, mas são as luzes do carro que vinha em sentido contrário, e de resto só muita chuva e muita escuridão. A luz normal das noites de Bissau.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

AS OSTRAS NO PORTUGUÊS DE QUINHAMEL

A cerca de 30 Km de Bissau há uma vila chamada Quinhamel. Lá perto há dois sítios principais, conhecidos por quem de vez em quando faz uma escapadela da capital. E como um desses sítios é um hotel, que já foi explorado por um francês, e o outro é a casa de um português, que por ali se fixou há vários anos, não é raro ouvir-se a seguinte conversa: No domingo vou a Quinhamel. Pergunta imediata: Ao Português ou ao Francês?
Próximo de um dos últimos fins-de-semana conversa idêntica teve lugar, e disse o G.: No domingo vamos comer umas ostras ao português a Quinhamel?
Não sou, nem aprendi a ser, até agora, uma apreciadora das ostras da Guiné-Bissau. Gosto sim, muito, da canja de ostras da avó Berta. Mas só as ostras … Normalmente aqui assam-se: um bocadinho numa grelha em cima das brasas e abrem um bocadinho. As que abrem. As outras, maior parte, abrem-se à força com uma “faca” própria, com um bico curto e largo. Mas a vontade de conhecer um novo lugar tem primazia sobre qualquer apetite do estômago. Portanto, não foi movida pelas ostras que achei de imediato que aquela era uma óptima ideia.
Mais um local apaziguador na Guiné. A paisagem em Quinhamel é servida por um braço de mar, que torna a densa vegetação mais verde e brilhante. O som é quase somente o dos pássaros.


O Senhor Inácio, cujos mais de oitenta anos, lhe aparentam metade disso, tem a fama, que eu confirmo, de servir as melhores ostras da Guiné-Bissau (as do Saltinho não se ficam atrás, mas é mais longe). De uma forma rudimentar, numas mesas feitas, ora de um bocado de tronco, ora de uma chapa de um antigo veículo, são depositadas as ostras acabadas de sair das brasas. Dir-se-iam quentes e boas, quentinhas (se fossem castanhas)! Mas por aqui quente mesmo é a temperatura, a qual parece ser um dos segredos da juventude, a julgar aqui pelo proprietário deste recanto, já desabituado do frio de parte da infância passada na Serra da Estrela.
Depois das ostras, de algumas recordações e histórias contadas entusiasticamente por quem não se cruza todos os dias com quem conhece as terras dos nossos tempos de miúdos, das conversas dos amigos sobre política e futebol, com clara preferência para este último tema, é tempo de apreciar a paisagem e a calmaria.


Antes da partida, ainda apareceu na mesa um resto de uma bebida exclusiva daquela casa – o TROTIL - , uma espécie de aguardente com segredo bem guardado pelo proprietário. Afinal são duas as especialidades da casa, além das boas ostras, esta bebida exclusiva. Quase todos se fizeram rogados mas ninguém se veio embora sem, pelo menos, molhar os lábios.


Lá ao longe ainda se ouviu tocar um CD (?!?! Talvez ainda alguma cassete) da banda sonora do Roque Santeiro, novela muito apreciada na minha infância, tempo em que só havia dois canais, e no horário nobre todos víamos o mesmo programa, e o Senhor Inácio parece lamentar quando diz que há por ali um barzito, que aquela música, recordações para alguns de nós, abafa temporariamente o som dos passarinhos e das folhas que se agitavam ao toque da brisa, por cima de nós, nas árvores que nos deram a sombra e frescura de mais um dia a gravar nas memórias da Guiné.

sábado, 5 de abril de 2008

A D. BERTA

Agora na casa da avó, num local onde se acorda com o crepitar do lume e o cheiro a café de cevada, e quando se olha pela janela de manhã o manto verde está coberto de branco, longe da Guiné por estes dias, lembro aquela avó que muitos adoptam em Bissau.
É um desafio falar numa mulher tão querida, tão admirada. Há muito que vos queria falar da D. Berta e tenho adiado à espera das palavras que consigam descrever o que se sente naquele lugar especial. À espera disso temo que as palavras nunca cheguem.
A D. Berta é uma mulher especial com um lugar único em Bissau, com um toque de encantado. O Cantinho da Avó Berta é também chamado de Pensão Central. Neste edifício, na Av. Amílcar Cabral, com uma grande varanda que rodeia todo o 1º andar, há um alojamento modesto e um restaurante com a estranha capacidade de nos transportar no tempo. Sabe quem já lá esteve do que estou a falar. Da calmaria após o almoço, a brisa a levantar um pouco todos os tecidos coloridos, panos de parede e toalhas, e se num desses momentos se tiver a sorte de ouvir uma “morna”, passar os olhos por cada um daqueles quadros, retratos, fotos, dedicatórias, paredes inundadas de recordações de décadas e décadas passadas.
A D. Berta nasceu em Cabo-Verde mas é Bissau que mais espaço ocupa no seu coração, na cidade que escolheu para viver há mais de 60 anos; foi nesta cidade que, durante o último conflito militar (1998) demonstrou as suas extraordinárias capacidades humanitárias, a sua solidariedade imensa. Pelas suas qualidades excepcionais foi já condecorada pelos 3 países a que mais está ligada: a própria Guiné (pelo Ministério do Turismo), Portugal, e há alguns dias por Cabo Verde.
Para além do quanto é boa, carinhosa, do quanto sabe ajudar, serve ainda alguns dos melhores pratos em Bissau. É ali que se come o melhor “Pitch Patch” - canja de ostras - e a melhor salada de camarão.
É um lugar familiar, e muitas das pessoas que por ali passaram adoptaram esta carinhosa avó, que por sua vez continua a ver crescer o seu rol de netos.
Hoje é daqueles dias que mais sinto o quanto é bom ter uma avó, aquela casa que não sendo “a nossa”, é aquela onde ainda sentimos que pertence uma grande parte de nós.
É por isso que compreendo este sentimento que liga muitos dos que aqui passam a avó Berta. É bom poder haver um lugar assim aqui tão perto, onde estamos tão longe.
(O texto foi escrito há alguns dias, quando estava efectivamente na casa da minha avó, infelizmente o tempo e a net só agora permitiram que o divulgasse aqui, agora novamente em Bissau.)