Hoje assinala-se o Dia Mundial da Luta contra a SIDA. Este é o continente com mais pessoas infectadas por esse vírus.
Já várias vezes tinha ouvido histórias sobre a SIDA na Guiné-Bissau, desde “a SIDA não existe”, como “não se morre de SIDA”, ou “a SIDA tem cura”, ou claro de doentes com SIDA que são discriminados.
Felizmente os mais novos estão mais sensibilizados para a doença e não foi difícil encontrar hoje vários estudantes na FDB com o símbolo do laço vermelho preso na camisa ou t-shirt.
Aproveitando a visita do Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos à FDB, hoje de manhã para participar no debate sobre se “Os Direitos Humanos são universais?”, perguntei ao Luís Vaz Martins (que foi meu aluno na cadeira de Direitos Fundamentais há dois anos) se havia discriminação, da parte de quem, e com que alegados fundamentos, ao que fui surpreendida com o seguinte: quem discrimina são a família e os amigos, não são por exemplo os serviços hospitalares, e porque julgam o doente com SIDA como aquele que não toma precauções no seu comportamento sexual, tendo por exemplo um homem relações com várias mulheres.
Estranho, porque, por outro lado, estou a falar do país onde a poligamia é relativamente bem aceite e profundamente praticada.
Quis informar-me mais sobre como é viver com esta doença aqui. Que cuidados, tratamentos têm à disposição? Como é viver com SIDA na Guiné-Bissau?
Fui ao Hospital da Cumura. A Cumura é uma missão católica a cerca de 20 Km daqui. Já tinha ouvido falar muito bem das condições lá. Muitas pessoas de Bissau vão lá para serem tratadas já que o principal hospital público de Bissau não só não tem as melhores condições, como de vez em quando (como neste momento) faz greve por falta de pagamento dos salários.
A irmã, responsável pela missão, estava a descansar. Confesso que não escolhi a melhor hora para visitas, neste país. Mas fui muito bem recebida pelas enfermeiras Antónia e Joana (nomes pouco comuns para mulheres guineenses). Fiz uma visita a parte do Hospital e reconheço as boas condições que ali existem, dadas as dificuldades do país.
Fui todo o caminho a perguntar-me como é que lá iria perguntar se podia falar com algum doente com SIDA. Não sei se levariam a mal, não sei se alguém permitiria ser identificado… Mas lá ganhei coragem (ou lata) e perguntei à Antónia se havia ali algum doente com SIDA, e a pergunta seguinte seria se podia falar com algum desses doentes. Assim que fiz a primeira pergunta a Antónia disse logo e naturalmente que sim e fez-me um sinal de “vem”. Tínhamos acabado de visitar o quarto das mulheres grávidas e voltámos a entrar e ela aponta “toda essa fila de mulheres”. O quarto tinha 10 camas, 5 de cada lado, divididos por um corredor central. Olhei para o meu lado esquerdo e estavam três mulheres grávidas. Não sei bem que expressão fiz ou o que senti mas a Antónia trouxe-me uma cadeira para eu me sentar entre duas das camas. Nunca antes me custou tanto não perceber crioulo ao fim deste tempo todo. A comunicação não foi fácil mas lá conseguimos perceber umas coisas umas às outras. Por momentos pensei que tivessem que passar toda a gravidez ali internadas, mas não, explicaram-me que estão ali umas semanas para aprenderem a fazer o tratamento e depois iriam para casa até à hora de dar à luz. Também soube que o tratamento que lhes é dado é gratuito. Apareceu pouco depois a paciente da quarta cama, também ela grávida, também ela doente com SIDA e falava um pouco mais em português (é estudante numa escola em Bissau).
Uma delas também se chamava Ana e estava grávida de perto de 7 meses, e de gémeos.
Soube bem estar ali à conversa com elas, não estavam tristes, deprimidas ou desesperadas. Confesso que nunca pensei. Só a Ana parecia mais preocupada e mais com o facto de ir ter gémeos pela segunda vez.
De resto, perguntei-lhes se tinham fé, ao que uma delas respondeu “muita fé”. Uma delas disse com um misto de receio e esperança que não sabia se o bebé ia nascer bem por causa do problema do sangue. Ficaram contentes com uma visita diferente e eu também. Cheia de vontade de voltar.
Mais uma lição de vida e desta vez também de fé. Confesso que depois de decidir que ia fazer esta experiência que tive medo do que poderia encontrar, das emoções, de sentimentos de revolta, de medo, de vergonha. Mas estamos sempre a aprender.
Antes de terminar ainda perguntei à enfermeira se tinham forma de saber se os bebés ficariam infectados com o vírus antes de nascerem ou logo a seguir, mas disse-me que só faziam o teste ao bebé com cerca de um ano e com um olhar de esperança disse “é quase sempre negativo”.
Já várias vezes tinha ouvido histórias sobre a SIDA na Guiné-Bissau, desde “a SIDA não existe”, como “não se morre de SIDA”, ou “a SIDA tem cura”, ou claro de doentes com SIDA que são discriminados.
Felizmente os mais novos estão mais sensibilizados para a doença e não foi difícil encontrar hoje vários estudantes na FDB com o símbolo do laço vermelho preso na camisa ou t-shirt.
Aproveitando a visita do Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos à FDB, hoje de manhã para participar no debate sobre se “Os Direitos Humanos são universais?”, perguntei ao Luís Vaz Martins (que foi meu aluno na cadeira de Direitos Fundamentais há dois anos) se havia discriminação, da parte de quem, e com que alegados fundamentos, ao que fui surpreendida com o seguinte: quem discrimina são a família e os amigos, não são por exemplo os serviços hospitalares, e porque julgam o doente com SIDA como aquele que não toma precauções no seu comportamento sexual, tendo por exemplo um homem relações com várias mulheres.
Estranho, porque, por outro lado, estou a falar do país onde a poligamia é relativamente bem aceite e profundamente praticada.
Quis informar-me mais sobre como é viver com esta doença aqui. Que cuidados, tratamentos têm à disposição? Como é viver com SIDA na Guiné-Bissau?
Fui ao Hospital da Cumura. A Cumura é uma missão católica a cerca de 20 Km daqui. Já tinha ouvido falar muito bem das condições lá. Muitas pessoas de Bissau vão lá para serem tratadas já que o principal hospital público de Bissau não só não tem as melhores condições, como de vez em quando (como neste momento) faz greve por falta de pagamento dos salários.
A irmã, responsável pela missão, estava a descansar. Confesso que não escolhi a melhor hora para visitas, neste país. Mas fui muito bem recebida pelas enfermeiras Antónia e Joana (nomes pouco comuns para mulheres guineenses). Fiz uma visita a parte do Hospital e reconheço as boas condições que ali existem, dadas as dificuldades do país.
Fui todo o caminho a perguntar-me como é que lá iria perguntar se podia falar com algum doente com SIDA. Não sei se levariam a mal, não sei se alguém permitiria ser identificado… Mas lá ganhei coragem (ou lata) e perguntei à Antónia se havia ali algum doente com SIDA, e a pergunta seguinte seria se podia falar com algum desses doentes. Assim que fiz a primeira pergunta a Antónia disse logo e naturalmente que sim e fez-me um sinal de “vem”. Tínhamos acabado de visitar o quarto das mulheres grávidas e voltámos a entrar e ela aponta “toda essa fila de mulheres”. O quarto tinha 10 camas, 5 de cada lado, divididos por um corredor central. Olhei para o meu lado esquerdo e estavam três mulheres grávidas. Não sei bem que expressão fiz ou o que senti mas a Antónia trouxe-me uma cadeira para eu me sentar entre duas das camas. Nunca antes me custou tanto não perceber crioulo ao fim deste tempo todo. A comunicação não foi fácil mas lá conseguimos perceber umas coisas umas às outras. Por momentos pensei que tivessem que passar toda a gravidez ali internadas, mas não, explicaram-me que estão ali umas semanas para aprenderem a fazer o tratamento e depois iriam para casa até à hora de dar à luz. Também soube que o tratamento que lhes é dado é gratuito. Apareceu pouco depois a paciente da quarta cama, também ela grávida, também ela doente com SIDA e falava um pouco mais em português (é estudante numa escola em Bissau).
Uma delas também se chamava Ana e estava grávida de perto de 7 meses, e de gémeos.
Soube bem estar ali à conversa com elas, não estavam tristes, deprimidas ou desesperadas. Confesso que nunca pensei. Só a Ana parecia mais preocupada e mais com o facto de ir ter gémeos pela segunda vez.
De resto, perguntei-lhes se tinham fé, ao que uma delas respondeu “muita fé”. Uma delas disse com um misto de receio e esperança que não sabia se o bebé ia nascer bem por causa do problema do sangue. Ficaram contentes com uma visita diferente e eu também. Cheia de vontade de voltar.
Mais uma lição de vida e desta vez também de fé. Confesso que depois de decidir que ia fazer esta experiência que tive medo do que poderia encontrar, das emoções, de sentimentos de revolta, de medo, de vergonha. Mas estamos sempre a aprender.
Antes de terminar ainda perguntei à enfermeira se tinham forma de saber se os bebés ficariam infectados com o vírus antes de nascerem ou logo a seguir, mas disse-me que só faziam o teste ao bebé com cerca de um ano e com um olhar de esperança disse “é quase sempre negativo”.
6 comentários:
Grande lição de vida - a delas, e a tua, através do teu gesto.
Um grande post, sim senhora!:)
***
Agora fazes-me vir sempre aqui... gostei muito de ler o teu post.
Um bj
jp
Muito comovente mesmo! ***
PS - E esse mail que nunca mais vem...
Um pequeno mas grande acto de coragem o teu, exemplo para nós.
Obrigado pelo post.
Eu é q vos agradeço a todos. Dão-me vontade de vos contar mais e mais.
É triste que só um ano e meio depois é que descubro como és grande, prima!!!
Excelente trabalho! És o meu ídolo!
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