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quarta-feira, 28 de maio de 2008

1ª GRANDE CHUVA

Quando se ouve alguém mais experiente ouve-se sempre: antigamente as chuvas iam de Abril a Novembro. Acho que as chuvas continuam a acabar no Dia dos Finados para (estranha e parece que propositadamente) lavar as campas. Mas nunca mais as chuvas começaram no mês das águas mil. No ano passado, a primeira grande chuva foi cerca de 19 de Julho, já depois desta ave ter migrado para o verão algarvio.
Este ano, diferente dos últimos quatro meses de Maio que já aqui passei, já choveu. Uns só chuviscos no dia 15, a primeira grande chuva na semana passada, dia 22, e agora, espera-se que chova amanhã. 5ª, 5ª e 5ª. É assim a chuva na Guiné, quase certa. Como começou a chover cedo, chove de semana a semana, depois passará a chover mais, e chegaremos à fase em que choverá todos os dias. Mesmo aí a chuva traz algumas certezas, sucede frequentemente que durante vários dias chove só de manhã, quase sempre à mesma hora, um dia muda e durante uns dias passa a chover à tarde ou à noite.
Deve haver uma explicação meteorológica para isto, mas da qual não faço ideia, e por isso me surpreende tanto, mas de uma forma tão mágica que me quer fazer ficar nessa ignorância sobre o tempo.
Com o aproximar do tempo das chuvas, chegam também as trovoadas. Primeiro as trovoadas secas, que este ano quase não tiveram lugar, mas que não seriam as mesmas, agora que se foi embora quem comigo partilhava um assento no passeio a olhar para o céu, a ver os relâmpagos, longe, sem mais nada, sem outra luz, sem som, ainda sem chuva.
A última trovoada foi na 5ª feira passada, e trouxe chuva, bastante. Na falta de imagens em condições da chuva que foi ao início da noite, mas já muito escuro, deixo-vos a imagem tirada na estrada que vai dar ao centro; eram cerca das 21 horas, não havia luz na rua, a não serem uns reflexos que se vêm ao longe e que pertencem à Embaixada de Angola, que fica nessa estrada, mas parece dia, toda essa luz é de um dos ditos relâmpagos.
Nenhuma foto consegue transmitir uma destas trovoadas. Mas são impressionantes.


Esta foto foi tirada quase imediatamente a seguir à anterior, apenas uns metros mais à frente. Sei que não se percebe quase nada, mas são as luzes do carro que vinha em sentido contrário, e de resto só muita chuva e muita escuridão. A luz normal das noites de Bissau.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

AS OSTRAS NO PORTUGUÊS DE QUINHAMEL

A cerca de 30 Km de Bissau há uma vila chamada Quinhamel. Lá perto há dois sítios principais, conhecidos por quem de vez em quando faz uma escapadela da capital. E como um desses sítios é um hotel, que já foi explorado por um francês, e o outro é a casa de um português, que por ali se fixou há vários anos, não é raro ouvir-se a seguinte conversa: No domingo vou a Quinhamel. Pergunta imediata: Ao Português ou ao Francês?
Próximo de um dos últimos fins-de-semana conversa idêntica teve lugar, e disse o G.: No domingo vamos comer umas ostras ao português a Quinhamel?
Não sou, nem aprendi a ser, até agora, uma apreciadora das ostras da Guiné-Bissau. Gosto sim, muito, da canja de ostras da avó Berta. Mas só as ostras … Normalmente aqui assam-se: um bocadinho numa grelha em cima das brasas e abrem um bocadinho. As que abrem. As outras, maior parte, abrem-se à força com uma “faca” própria, com um bico curto e largo. Mas a vontade de conhecer um novo lugar tem primazia sobre qualquer apetite do estômago. Portanto, não foi movida pelas ostras que achei de imediato que aquela era uma óptima ideia.
Mais um local apaziguador na Guiné. A paisagem em Quinhamel é servida por um braço de mar, que torna a densa vegetação mais verde e brilhante. O som é quase somente o dos pássaros.


O Senhor Inácio, cujos mais de oitenta anos, lhe aparentam metade disso, tem a fama, que eu confirmo, de servir as melhores ostras da Guiné-Bissau (as do Saltinho não se ficam atrás, mas é mais longe). De uma forma rudimentar, numas mesas feitas, ora de um bocado de tronco, ora de uma chapa de um antigo veículo, são depositadas as ostras acabadas de sair das brasas. Dir-se-iam quentes e boas, quentinhas (se fossem castanhas)! Mas por aqui quente mesmo é a temperatura, a qual parece ser um dos segredos da juventude, a julgar aqui pelo proprietário deste recanto, já desabituado do frio de parte da infância passada na Serra da Estrela.
Depois das ostras, de algumas recordações e histórias contadas entusiasticamente por quem não se cruza todos os dias com quem conhece as terras dos nossos tempos de miúdos, das conversas dos amigos sobre política e futebol, com clara preferência para este último tema, é tempo de apreciar a paisagem e a calmaria.


Antes da partida, ainda apareceu na mesa um resto de uma bebida exclusiva daquela casa – o TROTIL - , uma espécie de aguardente com segredo bem guardado pelo proprietário. Afinal são duas as especialidades da casa, além das boas ostras, esta bebida exclusiva. Quase todos se fizeram rogados mas ninguém se veio embora sem, pelo menos, molhar os lábios.


Lá ao longe ainda se ouviu tocar um CD (?!?! Talvez ainda alguma cassete) da banda sonora do Roque Santeiro, novela muito apreciada na minha infância, tempo em que só havia dois canais, e no horário nobre todos víamos o mesmo programa, e o Senhor Inácio parece lamentar quando diz que há por ali um barzito, que aquela música, recordações para alguns de nós, abafa temporariamente o som dos passarinhos e das folhas que se agitavam ao toque da brisa, por cima de nós, nas árvores que nos deram a sombra e frescura de mais um dia a gravar nas memórias da Guiné.

sábado, 5 de abril de 2008

A D. BERTA

Agora na casa da avó, num local onde se acorda com o crepitar do lume e o cheiro a café de cevada, e quando se olha pela janela de manhã o manto verde está coberto de branco, longe da Guiné por estes dias, lembro aquela avó que muitos adoptam em Bissau.
É um desafio falar numa mulher tão querida, tão admirada. Há muito que vos queria falar da D. Berta e tenho adiado à espera das palavras que consigam descrever o que se sente naquele lugar especial. À espera disso temo que as palavras nunca cheguem.
A D. Berta é uma mulher especial com um lugar único em Bissau, com um toque de encantado. O Cantinho da Avó Berta é também chamado de Pensão Central. Neste edifício, na Av. Amílcar Cabral, com uma grande varanda que rodeia todo o 1º andar, há um alojamento modesto e um restaurante com a estranha capacidade de nos transportar no tempo. Sabe quem já lá esteve do que estou a falar. Da calmaria após o almoço, a brisa a levantar um pouco todos os tecidos coloridos, panos de parede e toalhas, e se num desses momentos se tiver a sorte de ouvir uma “morna”, passar os olhos por cada um daqueles quadros, retratos, fotos, dedicatórias, paredes inundadas de recordações de décadas e décadas passadas.
A D. Berta nasceu em Cabo-Verde mas é Bissau que mais espaço ocupa no seu coração, na cidade que escolheu para viver há mais de 60 anos; foi nesta cidade que, durante o último conflito militar (1998) demonstrou as suas extraordinárias capacidades humanitárias, a sua solidariedade imensa. Pelas suas qualidades excepcionais foi já condecorada pelos 3 países a que mais está ligada: a própria Guiné (pelo Ministério do Turismo), Portugal, e há alguns dias por Cabo Verde.
Para além do quanto é boa, carinhosa, do quanto sabe ajudar, serve ainda alguns dos melhores pratos em Bissau. É ali que se come o melhor “Pitch Patch” - canja de ostras - e a melhor salada de camarão.
É um lugar familiar, e muitas das pessoas que por ali passaram adoptaram esta carinhosa avó, que por sua vez continua a ver crescer o seu rol de netos.
Hoje é daqueles dias que mais sinto o quanto é bom ter uma avó, aquela casa que não sendo “a nossa”, é aquela onde ainda sentimos que pertence uma grande parte de nós.
É por isso que compreendo este sentimento que liga muitos dos que aqui passam a avó Berta. É bom poder haver um lugar assim aqui tão perto, onde estamos tão longe.
(O texto foi escrito há alguns dias, quando estava efectivamente na casa da minha avó, infelizmente o tempo e a net só agora permitiram que o divulgasse aqui, agora novamente em Bissau.)

sábado, 8 de março de 2008

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Levo da Guiné estas imagens das mulheres guineenses: de manhã as mulheres vão buscar água (a maior parte das casas não têm água canalizada e é necessário ir buscá-la a fontes e poços), que transportam à cabeça. Por vezes repetem este trabalho ao final do dia, e a qualquer hora do dia, sempre que seja necessário. As mulheres trabalham na agricultura, apanham o arroz, pilam o arroz. Cozinham. Vendem pão, fruta e legumes, na rua, por vezes em menores quantidades que transportam à cabeça (mas ainda são vários quilos). Ainda transportam à cabeça a lenha para o lume, e a palha para os telhados das casas. As mulheres limpam, gerem a casa, cuidam dos filhos e dos homens.






Mas não é só nos trabalhos mais ligados à vida doméstica que a mulher guineense se encontra. Existem por exemplo muitas mulheres polícia. Existem mulheres em quase todas as profissões: na vida política, têm existido ministras, directoras-gerais, na vida académica, há professoras, investigadoras, há magistradas do Ministério Público e juízes, a Presidente do Supremo Tribunal de Justiça é uma mulher, há médicas, enfermeiras, empresárias, comerciantes.

Apesar da sobrecarga de trabalhos que estão reservados às mulheres, muitos deles difíceis e pesados, no que diz respeito à instrução e vida profissional, áreas onde muito se reflecte sobre a igualdade de géneros, a mulher guineense não é, de um modo geral, discriminada. Passo grande e muito importante sobretudo no continente africano.

Neste dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, é feriado na Guiné-Bissau. É um dia importante, e um pouco por todo o lado se comemora este dia. Também na Faculdade de Direito de Bissau as mulheres se juntaram para assinalar este dia. Foi assim que hoje conheci uma grande mulher guineense, convidada como oradora principal. A Dr.ª Odete Costa Semedo. É escritora, já foi Ministra da Educação, Ministra da Saúde, é Presidente da Comissão Nacional para a UNESCO. Hoje foi uma oradora sobre as mulheres, sobre a vida das mulheres, sobre as diferenças de género. “Não há igualdade mas não há sequer duas pessoas iguais”, disse. Foi bom ouvir a sua experiência como mulher na vida familiar, na vida política, na vida académica.

Acho que a situação das mulheres na Guiné-Bissau é mais de louvar, do que de lamentar. Olhar para as mulheres deste país, é perceber o quanto as mulheres são fortes.

Infelizmente nem tudo é bom, nem tudo é positivo. Também aqui existem histórias de discriminação como em muitos outros lugares, também existem casos de maus tratos contra as mulheres. Mas não é a regra, nem a maior parte das situações são toleradas. São situações passíveis de reacção. A lei consagra a igualdade e de um modo geral ela existe, especialmente se procurada. Nos casos de violência conjugal, por exemplo, cada vez mais as mulheres apresentam queixa e os maridos agressores são julgados.

Mas há algumas resistências à igualdade, algumas tradições, por exemplo de certas etnias que não reconhecem certos direitos às mulheres. Neste caso as tradições tendem a minorar ou a adaptar-se com o desenvolvimento da sociedade. Muita da população de Bissau já abandonou algumas das tradições das suas etnias, por diversas razões (por exemplo a tradição da família escolher o marido da filha, que muitas vezes era um negócio entre famílias).

Mais preocupante poderá ser o crescimento do islamismo, que põe em causa parte significativa dos direitos das mulheres, e infelizmente em Bissau já é possível encontrarem-se mulheres que se apresentam completamente cobertas dos pés à cabeça, que não podem ir à escola, às quais é proibido quase tudo.

Depois de tudo o que as mulheres têm conquistado desde que a Lei as reconhece como iguais é preciso não permitir retrocessos. As mulheres têm um papel fundamental na vida, tal como os homens. É preciso que se continue a lutar para eliminar os resquícios históricos e religiosos que subjugam as mulheres, apenas para que cada vez mais sejamos todos iguais.

Enquanto assim não é continuamos a merecer este dia especial, para não nos esquecermos do muito que ainda há a fazer. Um grande dia para todas as mulheres, portuguesas, guineenses e do Mundo.

ÉS TU MULHER GUINEENSE

És tu que ao cantar do galo
Já estás em pé!
És tu que na alta temperatura
Já a criança levas ao hospital

No meu tempo estás a ser mãe
Mas já foste o berço da nossa independência
Que os homens não valorizam
E continuam fingindo guardiães

És mesmo mulher guineense!

Com lágrimas de dor
Continuas a suportar a nossa continuidade
Comprando no lumo
E vendendo no beco

Sê forte mulher guineense!

A esperança de mudança que em ti plantaste
Será por nós germinada.

De Ivo José de Barros para todas as mulheres do Mundo
(Escrito em 29 de Janeiro de 2008 por ocasião do Dia de
Titina Silá, também conhecido por Dia da Mulher Guineense e divulgado em 7 de Março para as comemorações do Dia da Mulher na Faculdade de Direito de Bissau)
Ivo José de Barros é aluno do 3º ano da FDB

sábado, 1 de março de 2008

PALÁCIO COLINAS DO BÓE - PALÁCIO DO POVO

Este vi-o nascer. E agora vejo-o crescer e faço um bocadinho parte desse crescimento. É assim a minha ligação ao edifício onde são tomadas algumas das mais importantes decisões do país. Quando cheguei, no final de 2004, o Palácio estava a ser construído pela Cooperação Chinesa, foi entregue às autoridades guineenses em 23 de Março de 2005, e o local onde passaria a funcionar a nova sede da Assembleia Nacional Popular (Parlamento) foi designado de Palácio Colinas do Bóe, mas é também conhecido por Palácio do Povo.
Esteticamente, o edifício é completamente descaracterizado do resto da cidade e do país.
Mas a sua importância funcional ultrapassa isso.
Neste momento, por exemplo, o Plenário está reunido (entre 28 de Fevereiro e 28 de Março), e o tema agendado que mais atenção suscita é a mutilação genital feminina.
A Faculdade de Direito de Bissau tem uma ligação especial à ANP: o actual Presidente fez parte do 1º curso de licenciados da Faculdade; há dois anos, em Março de 2006, as Jornadas Jurídicas organizadas pela FDB tiveram lugar no Plenário da ANP, onde pela primeira vez proferi uma conferência; e este ano a Faculdade colabora com a Assembleia - com o apoio do
PNUD e da Cooperação Portuguesa - com ciclos de formação e que culminará com a instalação e organização de um Centro de Documentação, instrumento de trabalho da maior importância para os representantes do Povo.
Para já ligada à formação em Direito, fiquei agradavelmente surpreendida por descobrir que muito se faz para o desenvolvimento e cada vez melhor funcionamento deste órgão. Decorrem, algumas já há algum tempo, formações na ANP em Língua Portuguesa (por professores do
PASEG), em Francês e em Informática.
Para além da esperança que tenho no contributo para o futuro de tudo o que ali está a ser feito, o mais satisfatório são mesmo os formandos, que se esforçam imenso, acumulando as suas funções com horas e horas semanais de formações, que mostram grande motivação para aprender e vontade de participar, de terem cada vez mais conhecimentos nas mais diversas áreas. Sem qualquer obrigação, crêem apenas que o que aprenderem os vai ajudar a fazerem melhor o seu trabalho.
Acabei de conhecer mais um conjunto de pessoas que me faz sorrir.
No final terão sido apenas algumas horas, dispersas por algumas semanas, mas é mais uma excelente experiência, da qual no final não sei quem mais terá aprendido com quem.Também eu dali levo um pouco mais de formação: sobre a Guiné e os guineenses.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

BAFATÁ DESERTA

Foi há quase 2 anos que fui a Bafatá. Bafatá é uma pequena cidade no Leste da Guiné-Bissau. Juro que não parece grande apesar de dizerem que é talvez a segunda maior cidade do país, a seguir a Bissau (agora Gabu também já cresceu e talvez tenha ultrapassado Bafatá). Talvez a cidade me tenha parecido mais pequena por se encontrar praticamente deserta. O centro da cidade é pouco mais do que estas fotos, tiradas a meio de uma manhã de um dia de semana (acho que 4ª feira) e onde, mesmo ao pé do mercado municipal não se vê quase ninguém.
A “grandeza” da cidade deve-se com certeza à grande floresta de um dos lados da cidade, que começa numa das margens do rio Geba e parece que não acaba, e ainda ao facto de ser a cidade natal de Amílcar Cabral.
Sensações contraditórias quando visitei Bafatá: uma cidade muito tranquila, mas que parecia ter sido abandonada à pressa, como se se fugisse de algo, e o que já foi e o que é - uma avenida principal, larga, agora esburacada, inclinada em direcção ao cais e ao rio, ao fundo, sereno, a degradação das casas de estilo colonial, outrora belas e oponentes, hoje, algumas ruínas, quase todas abandonadas.
Entretanto descobri que há uns “filhos da terra” com vontade de recuperar a cidade histórica, e
AQUI há mais fotos.